Entre a lei e a realidade: desafios do licitante no preenchimento da cota legal para PCDs
A Lei 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) introduziu a exigência de que as empresas que pretendam ser contratadas pela Administração Pública reservem postos de trabalho a pessoas com deficiência (PCDs).
O inciso IV, do art. 63, foi expresso ao determinar que o licitante apresente “declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas”.
A norma que detalha a reserva de tais vagas para PCDs, por sua vez, é a Lei 8.213/91, que definiu, em seu art. 93, percentuais a serem cumpridos por empresas com 100 ou mais empregados. O percentual varia entre 2% (em estabelecimentos com 100 a 200 colaboradores) e chega a 5% (em estabelecimentos que tenham a partir de 1001 colaboradores).
Como o requisito da Lei 14.133/21 deve ser atendido na fase de habilitação, caso a empresa não demonstre o cumprimento das cotas legais, presume-se que ela não possui capacidade de executar o objeto licitado – e sua participação e/ou prosseguimento no certame é inviabilizada.
No entanto, a exigência gera dúvidas: o requisito estaria cumprido a partir da simples reserva e oferta de vagas a pessoas com deficiência ou existe a necessidade da efetiva contratação? A empresa que constantemente oferece oportunidades a PCDs e não encontra profissionais para ocupar os cargos pode ser impedida de participar da licitação?
Essas questões chegaram ao Poder Judiciário e, até o momento, as conclusões não são pacíficas. Algumas decisões entendem que a finalidade da norma foi viabilizar a inclusão e, por isso, quando a empresa toma medidas ativas na busca por esses profissionais – independente da contratação -, ela já estaria cumprindo a legislação [1].
Outras consideram que os atos formais não são suficientes, e o empregador deve adaptar o ambiente de trabalho e capacitar candidatos PCDs para que eles possam assumir os cargos, ficando sujeito a sanções enquanto não cumprir as condições legais [2].
O debate é complexo e, até que a questão seja definida, as empresas suportam um clima de insegurança. Diante da omissão do legislador, tem crescido o número de ações judiciais - por parte de empresas que desejam contratar com a Administração, mas não conseguiram atender os percentuais -, objetivando a Certidão Positiva com Efeitos Negativos de Cumprimento de Cota emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a fim de garantir sua participação nas disputas.
A principal finalidade da Certidão é demonstrar ao Poder Público que, embora a empresa não possua o quantitativo mínimo de empregados PCDs estabelecido na legislação, são adotadas medidas internas que buscam a contratação desses profissionais contudo, por fatores alheios à vontade da pessoa jurídica, ela não consegue contratar o número estabelecido.
Algumas medidas simples têm aumentado as chances de sucesso na obtenção da Certidão. Internamente, os interessados devem investir no recrutamento, capacitação e integração de pessoas portadoras de deficiência a seus quadros, construindo as bases que servirão para demonstrar à Administração ou ao Judiciário seu empenho em cumprir a lei e sua aptidão para participar da licitação. No âmbito externo, a obtenção da certidão do MTE reforça o atendimento das exigências legais e deve ser apresentada junto aos outros documentos para a habilitação.
Em conclusão, tendo em vista que a contratação desses profissionais não depende apenas do empregador, demonstrar que, apesar de sua postura ativa, outros fatores o impediram de atingir os percentuais impostos por lei será um grande trunfo a seu favor e poderá ser o fator decisivo para o sucesso daqueles que desejam ser contratados pelo Poder Público.
[1] TST - 2ª Turma - ARR: 00015882420155090654, Relator: Maria Helena Mallmann, data de publicação: 16/09/2022; TRT-23 – Primeira Turma - ROT: 00002705620205230002 MT, Relator: Des. Eliney Bezerra Veloso, data de publicação: 24/02/2021; TST - 4ª Turma - RR: 10023645720165020204, Relator.: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, data de Publicação: 10/06/2022; TST - 2ª Turma - Ag-AIRR: 24341520145090092, Relator: Delaíde Miranda Arantes, data de publicação: 14/09/2018; TRT-2 - 5ª Turma - ROT: 1000816-74.2022.5.02.0078, Relator.: Sidnei Alves Teixeira, data de publicação: 24/04/2023; TRT-2 - 17ª Turma - ROT: 10001952120235020053, Relator: Des. Anneth Konesuke, data de publicação: 07/08/2024.
[2] TST - 6ª Turma - Ag-AIRR-10228-09.2017.5.03.0041, Relator: Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, data de publicação: 03/06/2022; TRT-2 - 14ª Turma - ROT: 10002963820215020050, Relator: Desembargador Claudio Roberto Sa dos Santos, data de publicação: 13/03/2023; TST - 2ª Turma - Ag-AIRR-147-28.2021.5.12.0035, Relator: Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, data de publicação: 22/09/2023; TRT-2 - 3ª Turma - ROT: 10017343020145020605, Relator: Desembargadora Rosana de Almeida Buono, data de publicação: 25/08//2015.